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História

A neurocirurgia funcional no Brasil

 

Subespecialidade desperta cada vez mais o interesse de especialistas e residentes.

A neurocirurgia funcional é a subespecialidade médica que visa a aplicação de técnicas minimamente invasivas para tratar doenças como: Parkinson, Distonia, Tremor Essencial, Epilepsia, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), e o procedimento, que não é novo, mas acaba de chegar ao Brasil e foi realizado pelo Dr. Wuilker Knoner Campos, para o alívio da Depressão grave e refratária.  

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Apesar de pouco conhecida da população em geral, a neurocirurgia funcional já faz parte dos centros médicos de todo o Brasil há muitas décadas. Sabendo da importância do tema, nossa reportagem foi atrás de especialistas que se destacam no assunto e pedimos ajuda para contar um pouco mais sobre a neurocirurgia funcional no Brasil. Apertem os cintos, liguem as turbinas e se preparem para alçar voo em direção ao mundo da funcional.

 

Um pouco de história

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O Dr. Osvaldo Villela é neurocirurgião e atua no Estado de Goiânia. Ele é um dos grandes nomes no país quando o assunto é funcional. Ex-aluno do Dr. Ronald Tasker - reconhecido como um dos maiores ícones da neurocirurgia funcional de todos os tempos, sendo ele o primeiro a estabelecer as diferenças entre dor nociceptiva e neuropática e a realizar o mapeamento fisiológico do tálamo sensorial (também motor) e do mesencéfalo por meio de estimulação elétrica.

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Em um artigo publicado pelo Dr. Osvaldo, ele afirma que segundo Gilbert Horrax, a história da neurocirurgia nos tempos modernos pode ser dividida em três períodos: pré-Lister (1710-1846), pré-Horsley (1846-1890) e neurocirurgia moderna (1890/atualmente). "O primeiro procedimento neurocirúrgico conhecido realizado no Brasil foi pelo cirurgião Luis Gomes Ferreyra, em 1710, nas proximidades de Sabará, município localizado no interior de Minas Gerais. O período pré-Horsley começou com a introdução clínica da anestesia geral por Morton, em 1846, e da antissepsia por Lister, em 1867 […]. Curiosamente, muitos procedimentos funcionais foram iniciados no Brasil no final do período pré-Horsley", comenta o especialista.

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Avançando alguns anos, em meados de 1930, a neurocirurgia e a neurologia já estavam bem evoluídas no Brasil. "Considerando o fato de que técnicas de neuroimagem de última geração (ventriculografia e angiografia cerebral) já haviam sido introduzidas no país, o momento foi favorável para o nascimento da neurocirurgia moderna no Brasil", diz o médico.

 

A fundação de uma nova sociedade

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Foi na terça-feira, 16 de setembro de 1980, durante o XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia (CBN), realizado no município de Guarapari, em Espírito Santo, que o Dr. Carlos Teller abriu uma reunião e explicou que seria ali realizada a fundação da Sociedade Brasileira de Estereotaxia e Neurocirurgia Funcional (SBENF). Na ocasião, o Dr. Telles explicou que a ideia nasceu de uma reunião informal entre os colegas Luiz Fernando Martins, Bernardo Mortinho Couto, Pedro Mota, e José Vitor Pinto, durante o 4º Curso de Atualização em Neurocirurgia, em Brasília, em agosto de 1980.

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Foi enviada uma carta pelo Dr. Carlos a vários colegas da SBN convocando-os a reunião. Estiveram presentes nesta reunião: Dr. Carlos Telles, Dr. Renato Barbosa, Dr. Otóide Pinheiro, Dr. Raul Marino Junior, Dr. Alceu Correa, Dr. Jorge Roberto Pagura, Dr. Delfim da Silva Nunes Neto, Dr. Nilton Luiz Latuf, Dr. Bernardo Antonio Montinho Couto, Dr. Gianne Maurelio Temponi, Dr. Djacir Gurgel de Figueiredo, Dr. Sergio Ottoni, Dr. Telmo Tonetto Reis, Dr. Manoel Jacobsen Teixeira, Dr. José de Araújo Barros, Dr. Luiz Fernando Martins, Dr. José Vitor, Dr. Pedro Motta, Dr. Lourenço de Freitas Neto, Dr. Blaine Nashold e Dr. Hitchcock.

 

Dessa reunião ficou resolvido

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1 - Eleição de uma diretoria provisória que teria por finalidade organizar os estatutos ou um anteprojeto dos estatutos;

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2 - Os estatutos deveriam ser votados e aprovados em uma outra reunião a ser convocada oportunamente. Além disso, essa diretoria provisória deveria escolher os termos do primeiro congresso a ser realizado na mesma época do XIV congresso da SBN;

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3 - Foram sugeridos os seguintes nomes para os seguintes cargos por colegas presentes: presidente Dr. Renato Barbosa, Vice Dr. Raul Marino Junior, 1º secretário Dr. Carlos Telles, 2º secretário Dr. Otóide Pinheiro, Tesoureiro Dr. José Araújo;

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4 - Os nomes foram aceitos por unanimidade dos colegas. Foram propostos os nomes dos Drs. Nashold e Hitchcok para membros honorários, e que foram aceitos por unanimidade;

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5 - Sugeriu-se que fossem considerados membros fundadores os colegas presentes e os sugeridos pelos mesmos naquela data. Dr. Maciel Yamashita, Dr. Pedro Arlant, Dr. Vicente de Paula lobo, Dr. Orlando Martins Arruda, Dr. Paulo Petry Oppitz, Dr. Ney Artur Azambuja, Dr. Nelson Pires Ferreira, Dr. João Aluízio Reis, Dr. Fernando Braga, Dr. Wander Miguel Tamburuis, Dr. Paulo Andrade de Mello, Dr. Paris Ferreira de Souza, Dr. Newton S. de Souza e Dr. Luiz Antonio Brandi Tavares Barbosa;

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6 - A sugestão foi aceita por unanimidade e com isso encerrou-se a reunião.

Em 17 de Setembro de 1982 foi realizada uma reunião no auditório, perante a SBN, quando o Presidente Dr. Renato Barbosa, fez uma exposição da situação da neurocirurgia funcional no Brasil, e fez a entrega aos Drs. Blaine Nashold e Wolfhard Winkelmülle de diplomas de membros honorários.

 

Sobre a especialidade

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Segundo dados obtidos pelo Anuário 2023 - Federadas e Sociedades de Especialidades Médicas, a SBN tem representação em 21 estados e no Distrito Federal, tendo no Brasil, até a data, 4.145 especialistas em neurocirurgia. Ainda segundo o Anuário, existem 85 centros de formação em neurocirurgia no país que são credenciados à SBN oferecendo vagas para residência na especialidade. Os centros são distribuídos de acordo com as regiões, sendo: quatro na região norte, oito no nordeste, seis no centro-oeste, 16 no sul, e por fim, 51 no sudeste.

 

Questionado como o nosso país está em relação aos demais quando o assunto é neurocirurgia funcional, o Dr. Edvaldo Cardoso diz que hoje, e também no passado, o Brasil é um dos países líderes em neurocirurgia funcional. "Muitos não sabem, mas a moderna cirurgia de epilepsia nasceu no Brasil pelas mãos do Dr. Paulo Niemeyer. Também foi no Brasil a primeira angiografia seletiva das américas. E hoje somos vanguarda em pesquisa e tratamento em todos os campos da neurocirurgia funcional", diz.

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O especialista também comenta a partir de qual momento da sua vida despertou o interesse pela subespecialidade. Aos seis anos ele teve um abscesso que, devido a tecnologia da época, foi drenado sem anestesia. "A partir dali decidi fazer medicina para não deixar as pessoas sentirem a dor que eu senti. Aos 12 perdi um primo muito próximo com tumor cerebral e decidi pela neurocirurgia. No R2 fiz um estágio voluntário na UFRS com a Professora Mirian Martelete que me apresentou o 'Mundo Dor', e no R3 assisti uma palestra do Prof. Manoel Jacobsen que me abriu o 'Mundo Neurocirurgia Funcional'. Ali decidi que após a residência eu faria Funcional.  Vários colegas e professores tentaram me demover da ideia. Felizmente não conseguiram, relata."

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O médico acredita que os especialistas em funcional "pensam diferente". "O Neurocirurgião Funcional vê o cérebro com outros olhos. Por exemplo: eu faço cirurgia com o paciente acordado, sempre pensando em preservar a funcionalidade do paciente e nem sempre em obter a cura cirúrgica, há mais de 30 anos. Na época era louco, hoje a 'Awake surgery' é o suprassumo da cirurgia de tumores. Ainda hoje muitos pensam em DBS como colocar um 'fiozinho no meio da cabeça', nós funcionais nos preocupamos como esse estímulo se propagará pelo encéfalo. Como um estímulo em núcleo de 5x5x8mm (STN - núcleo subtalâmico) melhorará os sintomas motores do paciente, e consequentemente a qualidade de vida dele", diz.

 

Um recado para o estudante

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Quando o Dr. Edvaldo ainda era estudante do R3, assistiu a palestra do Professor Manoel Jacobsen e que na ocasião fez um prognóstico muito sombrio e não de todo errado: aneurismas no futuro serão embolizados, tumores serão tratados por genética e quimioterapia. Sobrará aos neurocirurgiões os traumas e a neurocirurgia funcional. "A neurocirurgia funcional está apenas começando sua jornada, que já é longa, haja vista que as primeiras neurocirurgias documentadas foram craniotomias para 'tratar os maus espíritos' ou que antes de Adão ser anestesiado, ainda antes da humanidade ser criada, Vulcano faz uma neurocirurgia cerebral em Júpiter para tratar uma dor de cabeça.", descreve.

Por fim, o especialista diz que o futuro da neurocirurgia será a neurocirurgia funcional. "Os funcionais continuam sendo os que pensam diferente, que vira e mexe voltam à neurofisiologia para pesquisar e entender melhor o SNC. Se você quer fazer neurocirurgia funcional seja muito bem-vindo e saiba que você estará em eterno aprendizado e nunca terá certezas categóricas", finaliza o Dr. Edvaldo.

 

Análise da neurocirurgia funcional no Brasil

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O neurocirurgião Dr. Arthur Cukiert é um médico que dispensa apresentações quando o assunto é neurocirurgia funcional, mas vamos abordar alguns pontos de sua trajetória. É Professor Livre Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, já foi presidente de Sociedades (Neurocirurgia Funcional e Neuromodulação), presidente e organizador de congressos em todo o mundo, bem como na coordenação do ensino de cirurgia de epilepsia a nível mundial pela International League Against Epilepsy.

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O Dr. Arthur destaca que a neurocirurgia funcional brasileira tem forte tradição e é bem posicionada dentro do contexto mundial. “A neurocirurgia funcional é a subespecialidade neurocirúrgica que mais se desenvolveu na última década, ao contrário de outras subespecialidades que viram o número de seus procedimentos diminuir. Viu a introdução de tratamentos mais sofisticados e minimamente invasivos. É natural que as novas gerações de neurocirurgiões se interessem por neurocirurgia funcional, tanto do ponto de vista acadêmico, como de exercício profissional", comenta.

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Para ele, a neurocirurgia funcional brasileira dispõe de alta tecnologia para sua especialidade, mas muitas vezes estes equipamentos concentram-se em ilhas de excelência em alguns poucos estados. "Seria necessário exercer um esforço para maior disponibilização dela, especialmente dentro do contexto da saúde pública. Somente assim a prestação de serviço em neurocirurgia funcional será mais democratizada. Além disso, existem certas tecnologias que ainda se encontram restritas aos seus países de desenvolvimento, como por exemplo a ablação à laser ou aparatos de estimulação responsiva; este não é somente um problema para o Brasil como também para muitos países subdesenvolvidos", relata.

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Aspas com a frase: "A neurocirurgia funcional de excelência ocorre sempre dentro do contexto de uma atuação multidisciplinar. Você deve compreender isto desde o princípio: terá que conviver com outras especialidades"

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Recomendação para o estudante que pretende se especializar nesta área.

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Essa é uma subespecialidade onde o estudo funcional do cérebro é tão relevante quanto às considerações anatômicas e isso demanda um esforço formativo mais amplo. "O campo de atuação hoje é vasto e é provável que tenham que eleger uma ou poucas das suas vertentes: dor, movimentos anormais, epilepsia etc. Existem poucos centros para formação em neurocirurgia funcional no país. Esse estudante deve considerar, além destes centros, a possibilidade de estagiar fora do país em algum momento; isto terá relevância tanto para sua formação técnica especializada como na abertura de seus horizontes intelectuais", finaliza o especialista.

Redação: Jackson Vasconcelos – Medellin Comunicação

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Este texto contou com as preciosas colaborações dos associados da SBENF:

  • Dr. Arthur Cukiert

  • Dr. Edvaldo José Rodrigues Cardoso

  • Dr. Osvaldo Vilela

  • Dra. Vanessa Milanese Holanda Zimpel

 

Novembro 2023.

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